O Arcadismo singular de Alvarenga

  
   O Arcadismo revela ímpetos de universalismo.  Ao contrário do que ocorre no Romantismo - que carrega traços preponderantes de particularismos. Percebemos, também, uma espécie de “monotonia”, repetições alçadas de cópias em forma, fôrma e conteúdo.  Apesar de ser audacioso delimitar margens para os processos já que, na prática, conviveram e participaram juntos das transições. Dessa forma, cada período ou as chamadas “escolas literárias”, é caracterizado pelo processo de maturação das estruturas, e as negações de modelos vigentes ou anteriores não implicam, necessariamente, em verdadeiras rupturas com elementos fundamentais.
   A repetição clássica traz a idéia da estética como solução de imagens. A meu ver, a estética incorpora elementos que ultrapassam concepções estruturais. É, também, espelho de falas temáticas incorporadas a mitos e personagens que  por muitas vezes refletem imagens mais palpáveis  do que a própria estrutura possa deslindar.
  Percebemos que somente depois do século XVIII, começou a surgir uma ideia de “poesia sem fim”, ou poesia sem finalidade - definição de Kant.  Antes deste momento, a poesia possuía uma função específica, de elogio, crítica ou homenagem – a chamada “poesia de ocasião”.  O que não exime, é claro, seu valor literário.
  O canto abaixo, de Alvarenga – autor lapidado numa refinada cultura européia-  retoma traços clássicos, embora sejam apenas traços e não uma vida clássica, com roupagens de resgate. Aqui podemos afirmar que o texto possui uma função, pois trata de um “
Canto Genetlíaco“ – homenagem ao nascimento de alguém. A novidade é que deixa de ser um assunto do chefe que nasce e passa a retratar a perspectiva da metrópole sobre a “boa-nova”. As oitavas são inspiradas em Camões e a temática, é de Virgílio: A influência clássica é estrado para o canto.
  Os versos revelam mais uma singularidade deste texto em relação aos outros neoclássicos: uma dupla fidelidade do artista árcade. Utilizando-se da “lógica da troca” de termos em significado -antítese, ou em posição- hipérbato,  denota-se um reorganização ou mistura conceitos, revelando, assim, uma nova perspectiva - periférica das contradições de uma nação. A grandeza versus o horror, enquanto somos “Bárbaros filhos destas brechas duras”, a “Europa barbaria chama”. Percebemos aqui a dicotomia do autor ao inclinar-se para cultura européia e reclinar-se, em ângulo oposto, mas em mesmo grau e tempo, para um nativismo mais consciente. Através de uma oposição sugestiva, o autor revela - ainda com a perpesctiva da metrópole-  que é capaz de perceber as contradições da exploração de nossas riquezas: “Aquelas serras na aparência feias”, onde a verdadeira beleza ou riqueza encontra-se no interior: a prata, o ouro, as pedras preciosas etc
  É primeira vez também, que o negro aparece, na literatura brasileira, humanizado. Desumanizado em sua realidade, porém, humanizado no poema: ”Os coríntios palácios levantados, dóricos templos, jônicos altares, são obras feitas de lenhos duros, filhos desses sertões feios e escuros”. O que é feio e escuro é o que fornece o bom da civilização européia.
  Sobretudo, a singularidade da obra nos revela que todo documento da cultura é também um documento de barbárie: as entrelinhas denunciam a perspectiva:  “A civilização é o horror”!

                                                                       
                                        
                                                                                          


Canto Genetlíaco

Bárbaros filhos destas brenhas duras,
nunca mais recordeis os males vossos;
revolvam-se no horror das sepulturas
dos primeiros avós os frios ossos:
que os heróis das mais altas cataduras
principiam a ser patrícios nossos;
e o vosso sangue, que esta terra ensopa,
já produz frutos do melhor da Europa.
Bem que venha a semente à terra estranha,
quando produz, com igual força gera;
nem do forte leão, fora de Espanha,
a fereza nos filhos degenera;
o que o estio numas terras ganha,
em outras vence a fresca primavera;
e a raça dos heróis da mesma sorte
produz no sul o que produz no norte.
(...)
Isto, que Europa barbaria chama,
do seio das delícias, tão diverso,
quão diferente é para quem ama
os ternos laços de seu pátrio berço!
O pastor loiro, que o meu peito inflama,
dará novos alentos ao meu verso,
para mostrar do nosso herói na boca
como em grandezas tanto horror se troca.
"Aquelas serras na aparência feias,
— dirá José — oh quanto são formosas!
Elas conservam nas ocultas veias
a força das potências majestosas;
têm as ricas entranhas todas cheias
de prata, oiro e pedras preciosas;
aquelas brutas e escalvadas serras
fazem as pazes, dão calor às guerras.
"Aqueles matos negros e fechados,
que ocupam quase a região dos ares,
são os que, em edifícios respeitados,
repartem raios pelos crespos mares.
Os coríntios palácios levantados,
dóricos templos, jônicos altares,
são obras feitas desses lenhos duros,
filhos desses sertões feios e escuros.
"A c'roa de oiro, que na testa brilha,
e o cetro, que empunha na mão justa
do augusto José a heróica filha,
nossa rainha soberana augusta;
e Lisboa, da Europa maravilha,
cuja riqueza todo o mundo assusta,
estas terras a fazem respeitada,
bárbara terra, mas abençoada.
"Estes homens de vários acidentes,
pardos e pretos, tintos e tostados,
são os escravos duros e valentes,
aos penosos trabalhos costumados:
Eles mudam aos rios as correntes,
rasgam as serras, tendo sempre armados
da pesada alavanca e duro malho
os fortes braços feitos ao trabalho.
(...)
(Alvarenga Peixoto)


                                                                                                                 

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